Para Nietzsche, "todo homem seleto busca instintivamente seu castelo e seu recolhimento, onde ele esteja a salvo da massa, da multidão, da maioria, onde lhe seja permitido, como sua exceção, esquecer da regra." Claro que, para esta premissa, deve-se dar a ressalva no caso de o homem em questão ser impelido por um instinto ainda mais forte do que essa regra. A observação foi atentada pelo próprio filósofo em sua primeira obra da sua fase "destrutiva", Além do Bem e do Mal (1886).
Nietzsche entende que, o homem que nunca oscilou ocasionalmente "entre todas as cores da aflição", ruborizado e pálido de asco, fastio, compaixão, abatimento, isolamento, este homem não pode ser considerado de gosto superior. Nietzsche supõe, porém, que caso ele não carregue todo esse fardo e essa repugnância voluntariamente, se esquive deles, permaneça quieto e orgulhoso, escondido em seu castelo, então uma coisa é certa: ele não é feito, não é predestinado para o conhecimento. Pois se fosse, um dia, ele teria de dizer a si próprio: "Que o diabo leve meu bom gosto! A regra é mais interessante do que a exceção - do que eu, a exceção!
Às almas vulgares, a única via para tocarem de leve naquilo que é a honestidade é a do cinismo, segundo Nietzsche. Já o homem superior, “este deve aguçar os seus ouvidos para todo o cinismo grosseiro ou refinado”, e felicitar-se a cada vez que, precisamente, diante dele, falar, desde aquele ‘sem noção’ despudorado até a mais erudita das pessoas.
_________________________________________________________________________
Já que estou sendo tomado por Nietzsche, tentarei copiá-lo na sua forma de escrever: sairei do assunto estrito acima, mas não fugirei completamente. Estarei aqui, aprisionado em meus carmas, frustrações, traumas e idiossincrasias, por vezes munições para convicções equivocadas, por vezes salvadoras; safas!
Bem, vamos lá:
Enquanto somos jovens, - eis aí uma inverdade absoluta, dita por uma alma velha e ranzinza, que já deve ter aportado uma centena de vezes neste mundo-vitrine de shopping center reencarnada em um corpo não mais juvenil e que evidencia, inclusive através das dores físicas, o velhinho casca grossa que há dentro de mim – (risos).
Nietzsche diz que ainda veneramos e desprezamos sem aquela arte da nuance, que constitui o melhor ganho da vida e, como é justo, precisa-se pagar caro por ter atacado desse modo pessoas e coisas com um sim ou não. Por conta disso, talvez por ainda trazer comigo a ira, a indignação para com as injustiças, influenciado pelo falso poder que nos toma a fim de querer corrigir as mazelas do mundo, características da juventude, eu ainda pague caro pela minha sinceridade.
Tudo está disposto para que o pior de todos os gostos, o gosto pelo incondicional, seja cruelmente enganado e abusado até que o homem aprenda a colocar alguma arte em seus sentimentos e, de preferência, ainda ousar na tentativa com o que é artificial: como fazem os verdadeiros artistas da vida. A cólera e a veneração, próprias da juventude, parecem não sossegar antes de falsear homens e coisas de tal modo que possam desafogar-se sobre eles: - a juventude já é em si algo falsificador e enganador.
Mais tarde, quando uma alma jovem, torturada por grande número de desilusões, finalmente se volta desconfiada contra si própria, ainda ardente e selvagem, também em suas desconfianças e remorsos: como então ela se irrita, como ela se despedaça impacientemente, como ela se vinga por sua prolongada auto-obcecação, como se ela tivesse sido uma cegueira voluntária!
Nessa transição, ela pune a si própria através da desconfiança para com o seu sentimento; tortura seu entusiasmo através da dúvida, até já sente a boa consciência como um perigo, uma autodissimulação e um cansaço da honestidade mais sutil, por assim dizer; e, sobretudo, toma partido, e partido por princípio, contra “a juventude”. - Uma década depois: e se compreende que mesmo tudo isso ainda – era juventude! (Nietzsche: Alma Livre)
A minha alma sempre foi livre, sempre quis ser, mas os labores da vida a fez tê-la contida, ou eu não estaria aqui para escrever este texto. O aprisionamento é fácil. No início, sempre haverá resistência, tentativa de fuga, mas com o tempo, você se acostuma, segue as regras e acaba esquecendo o quanto foi ou poderia ter sido livre. Cria-se uma carapaça, um tipo de armadura, que protege suas partes moles, literal e figuradamente.
Se espera pouco do mundo e das pessoas. Inúmeras tentativas feitas, confianças foram quebradas. Mesmo assim, nossa alma livre, boa e justa, insiste em se manifestar nos momentos de brechas do seu encarceramento; dizer que ainda está ali, e ainda sonha com a sua liberdade. E isso é manifestado quando, me desconheço ao abrir concessões que não abriria na minha rotina de autoproteção, livrando-me de contratos, assinaturas, garantias, tendo como promessa somente a palavra daquele que apenas quer uma chance de provar que ainda existem pessoas boas, cada vez mais difíceis de se encontrar num mundo tão sombrio.
E esta pessoa me apareceu em meio à multidão. Ela aparentemente comum, mas avassaladoramente incomum, olhos grandes lua e sol em eclipse, tinham vida própria.
Resisti, tentei ser duro com ela, não sabendo que estava sendo ainda mais comigo. Durante esse tempo, a minha alma então aprisionada, parece ter desistido de se manifestar e se calou. Não deu ao menos seu último suspiro de esperança para que eu pudesse sair da minha armadura e amar verdadeiramente quem estava disposta a fazer o mesmo por mim.
Continuo aprisionado. Agora não só de alma, mas de corpo e mente. Agora, a confusão toma conta de mim. Não sei quais serão os próximos passos da minha vida, ou até se haverá próximos. Estou no lodo (risos), como divertidamente ela se referiu de onde eu vim e encontrei, ainda que por hora, a fidalguia, a dúvida e o amor.