18 agosto, 2007

JURISTAS ABUSAM DO USO DO LATIM EM PUBLICAÇÕES JUDICIAIS E DEIXAM O CIDADÃO CONFUSO



"Sub Judice", "Litis Decisio", "Actio Negatoria", são algumas das palavras em latim utilizadas na comunicação entre advogados e juízes através de atas e processos empoeirados do judiciário. O meio jurídico, na maioria das vezes, abusa dos verbetes latinos e cria uma comunicação paralela entre os juristas, o que deixa o interessado no resultado dos processos, o cidadão, à margem da discussão.

A justiça já vem abolindo alguns termos em latim, mas nem sempre se encontram sinônimos na língua portuguesa que tenham o mesmo sentido. “Há uma tendência muito forte dos tribunais em abolir o latim, quando possível”, explica o advogado Gildásio Moraes. O termo “Ad-judictia” é um exemplo da impossibilidade da conversão. A palavra não tem tradução no português, e é usada para comunicar ao juiz que o indivíduo deu a seu advogado o aval de procurador, podendo representá-lo em diversas causas. Já a palavra “Data Vênia”, uma das mais usadas, poderia ser somente “com licença”, “com a permissão”, mas ainda encontra resistência.

Com mais de meio século de experiência, Moraes diz ter tido aulas de latim na época em que ainda cursava o antigo ensino científico, e condena o uso em excesso dos termos estrangeiros. “Na nossa lei o uso de palavras estrangeiras é proibido nos processos”, alerta.

A utilização da Língua Mãe é tão frequente que até quem não tem formação em Direito acaba aprendendo as palavras. É o caso do funcionário do posto do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), Washington Luiz de Santana. O atendente forneceu 13 das três palavras latinas usadas neste texto em poucos minutos, sinal de sua intimidade forçada com o idioma quase extinto. No seu dia-a-dia no tribunal, Washington está sempre auxiliando uma ou outra pessoa que seja parte de processos, que não entendem o que está escrito nos documentos. O atendente vê com indignação o uso excessivo dos verbetes: “necessitamos incluir na pauta da reforma jurídica a mudança na forma como são redigidas as atas e processos para que o cidadão saiba sobre o que está reivindicando, diz”.

Já o juiz da 19º Região do Estado de Alagoas, Pedro Inácio da Silva, explica -em artigo publicado no site desse mesmo tribunal- porque as palavras ainda são usadas: "Sabemos o quanto é difícil redigir peças judiciais em linguagem acessível às pessoas comuns, pois o uso da técnica legitima o emprego de vocábulos e expressões cujo sentido escapa à maioria das pessoas", diz o juiz, que também é Presidente da Academia Alagoana de Letras.

Advogados mais novos não redigem um texto sem o auxílio de um dicionário de latim; é o “Vade Mecum”, livro criado para ser utilizado no dia-a-dia forense e acadêmico.

Nele se encontra grande quantidade de conteúdo jurídico. Estão inclusos diversas leis, decretos e resoluções, inclusive o Código de Trânsito Brasileiro. Há ainda Legislação de Direito Ambiental, Legislação de Direito Administrativo, Legislação de Direito Previdenciário e Legislação de Direito Internacional; Modelos de Contratos e Petições; Principais Prazos na Legislação Pátria; Expressões em Latim; Dicionário Jurídico; Dicionário da Língua Portuguesa e tabela de honorários advocatícios.

A justificativa mais lógica pelo uso da língua é o fato de que boa parte das leis que conhecemos hoje tem origem da Roma antiga. Naquele tempo, o latim e o grego eram como o inglês e o espanhol hoje, sendo indispensável o seu domínio. O antropólogo e teólogo Sebastião Heber esclarece que, para conhecer o sentido dos termos latinos não é uma questão de apenas decorar as palavras e o que elas significam, mas de estudar um pouco esse idioma já que se trata de uma língua técnica para essa área. “Usamos termos em inglês para vários setores: computação, aviação, Medicina etc, pois eles são mais práticos e universais para exprimirem ordens de comando, do mesmo modo no direito”, conclui Heber.

Volta das missas em latim – Em 2007, o Papa Bento XVI deu o direito aos padres de facultarem o uso do Latim nas missas. A decisão não é nova, já que a discussão vem desde o Concílio Vaticano II, que teve início no ano de 1962 no papado de João XXIII, e terminada em 1965, durante o papado de Paulo VI. Nestes três anos se discutiu e regulamentou temas pertinentes à Igreja Católica, inclusive o direito dos padres de realizarem cultos católicos na língua de seu povo, não impedindo que o latim continuasse sendo usado nas igrejas. “O padre que quiser pode celebrar a missa em latim, só que se deve ter bom senso. “A missa em português muitas vezes já é difícil de ser entendida, imagine em latim”, complementa o teólogo.

Abertura do Concílio Vaticano II

3 comentários:

Jaciara Cedraz disse...

Na verdade as peças jurídicas,sejam decisões ou petições, são direcionadas, entre si, aos aplicadores da lei , talvez seja essa a então "despreocupação" destes em compô-las exageradamente com termos em latim. Porém, como a sociedade vem, ao longo dos anos, ascendendo em conhecimento, começa a manifestar interesse em entender o que foi decidido contra ou em seu favor numa demanda processual, o que outrora deixava a cargo do seu patrono(advogado). Percebendo a mudança de comportamento do jurisdicionado, os chamados "Operadores do Direito"(ainda que em sua minoria) começam então a se preocupar com essa realidade e hoje, já existe um MOVIMENTO no meio jurídico em combate a esse método de formulação de peças processuais, defendendo que a linguagem deve ser mais acessível à sociedade que "bate ás portas" da justiça em busca de solução dos seus conflitos, e nessa defesa está incluso o combate ao latim, se o fizerem, que seja com o máximo bom senso, sem extravagâncias.

Jaciara Cedraz disse...

Parabenizo o autor pela coerente formulação do texto, com brilhante fundamentação e observância dos interesses da coletividade.

RENAN MOTTA disse...

a transparência da justiça é algo necessário , uma vez que no nosso país infelizmente não é ético e muitas veses , operadores do direito são denunciados por corrupção , venda de sentença ,entre outras maselas .
tornar o entendimento e o acompanhamento processual mais acessivel aos interessados poderemos não eliminar , mais diminuir essa prática .
o maior interessado ao processo tem o direito de questionar e cobrar o andamento do mesmo .
a sensação de justiça é muito maior do que a demonstração de intelectualidade que muitas veses ornamenta `` mala fides´´ do magistrado !